Discurso: licenciamento Ambiental

CÂMARA DOS DEPUTADOS
Orador: ANDRÉ DE PAULA
Data: 16/12/2009

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

Oocupo a tribuna, poucos dias antes de se encerrarem os trabalhos legislativos do ano de 2009, para dar conta a esta Casa, mas especialmente, à sociedade brasileira, da conclusão, após longo período de discussões, do meu parecer aos projetos sobre licenciamento ambiental, os quais sou relator no âmbito da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, colegiado que tive a honra de presidir em 2007.

Ao ser indicado para relatar essa matéria, meditei profundamente se devia, ou não, me incumbir desta tarefa. Afinal de contas, na condição de Líder da Minoria, receava não desempenhar a contento a missão, que exigiria tempo, ponderação e uma capacidade de conciliar aquilo que, às vezes, parece-nos inconciliável.

Refleti, e lembrei o que aqui alguém disse, sobre papel do relator numa casa legislativa: nada mais um artesão das idéias – não necessariamente das suas -, uma espécie de mediador da obra que é, sobretudo, coletiva.

Motivado pelo tema, e comprometido com a causa ambiental, abracei a missão disposto a ser, antes de tudo, um facilitador. E foi com esta disposição que me dediquei aos trabalhos; a mesma que me permite, hoje, noticiar a entrega formal do meu relatório.

Senhoras deputadas e Senhores deputados, o licenciamento ambiental é tema que adquire importância cada vez maior no Brasil de hoje, por se tratar, inevitavelmente, de instrumento que pode viabilizar o desenvolvimento com sustentabilidade.

O licenciamento, como todos sabem, é o processo administrativo pelo qual o órgão ambiental, com objetivo preventivo, e desde que preenchidos os requisitos legais, licencia a localização, a construção, a instalação, a ampliação, a modificação ou a operação de empreendimento que utiliza recurso ambiental ou potencialmente causador de impacto ambiental.

A esse processo tem sido atribuída, quase sempre injustamente, a pecha de “entrave ao desenvolvimento nacional”. Em verdade, o assunto se ressente de lei federal específica desde a promulgação da Constituição Federal, razão talvez da insegurança jurídica que redunda em desconfiança social.

Antes de reportar minha atuação a respeito do tema ao longo deste ano, todavia, permitam-me fazer um breve histórico sobre a evolução normativa da matéria.

O tema foi introduzido no nosso ordenamento jurídico, de forma genérica, a partir da década de 1970, em razão da emergente conscientização da sociedade, do Poder Público e do setor produtivo quanto aos problemas de degradação ambiental advindos da implantação e operação de certas atividades e empreendimentos. Os primeiros dispositivos normativos também constituíram uma resposta aos organismos financiadores internacionais, que, àquela época, começaram a exigi-los como condição de financiamento de projetos em nosso País.

Um dos primeiros diplomas legais a abordar o tema foi o Decreto-Lei nº 1.413, de 1975, que, além de instrumentalizar base legal para o licenciamento ambiental, deu poder aos estados e municípios de criar seus próprios sistemas de licenciamento para a localização e o funcionamento de indústrias potencialmente causadoras de degradação ambiental, reservando à União, contudo, o licenciamento daquelas consideradas de interesse para o desenvolvimento e a segurança nacionais. Assim, já em meados daquela década, começaram a surgir normas estaduais a respeito de licenciamento ambiental, algumas delas criando colegiados com poderes deliberativos.

Em 1980, a Lei nº 6.803 estabeleceu diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição. Além de dispor sobre o licenciamento para implantação, operação e ampliação de estabelecimentos industriais, tornou obrigatória a apresentação de estudos especiais de alternativas e de avaliações de impacto para a localização de pólos petroquímicos, cloroquímicos, carboquímicos e instalações nucleares.

No entanto, Sr. Presidente, a norma considerada marco fundamental para o tema na ordem jurídica interna, é a Lei nº 6.938, de 1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Ela aborda diretamente o tema impacto ambiental e trata o licenciamento como instrumento dessa política.

Por essa lei, a União delega sua competência para licenciar em favor da esfera estadual, reservando-se, todavia, o licenciamento no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional. Assim, os estados poderiam ser mais exigentes – estabelecendo outras condicionantes, por exemplo –, mas não poderiam exigir menos que a União.

Os decretos que regulamentaram a mencionada lei estabeleceram que atos do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) – criado pela própria lei – estabeleceriam os critérios para a realização do estudo prévio de impacto ambiental e respectivo relatório (EIA/Rima). E foi justamente uma resolução do Conama, a 001, de 1986, que fixou definições, responsabilidades, critérios e diretrizes gerais para uso e implementação do EIA/Rima como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente.

Além disso, a Resolução 001/86 estipulou o rol de atividades modificadoras do meio ambiente sujeitas a licenciamento ambiental mediante a elaboração de EIA/Rima. Ela também fixou o escopo mínimo desses estudos, que deveriam ser realizados por equipe multidisciplinar habilitada, não dependente, direta ou indiretamente, do proponente do projeto.

Dois anos após, a Constituição Federal, em seu art. 225, § 1º, inciso IV, albergou os estudos ambientais e introduziu dois novos conceitos ao tema, estatuindo que estaria sujeita à elaboração de EIA/Rima “obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente”. A Lei Maior, assim, deu vez e voz aos princípios da precaução e da prevenção, além da exigência de publicidade.

Em 1997, a Resolução Conama nº 237, que constitui a atual disciplina básica do licenciamento ambiental, detalhou que empreendimentos e atividades estariam sujeitos a ele, bem como as competências nos níveis federal, estadual e municipal, instrumento legal que, ainda hoje, gera incontornável polêmica.

Da mesma forma, ela ampliou o rol de atividades sujeitas a licenciamento e o escopo dos estudos ambientais, estabeleceu prazos para a análise e a vigência das licenças e retirou a obrigatoriedade da independência da equipe técnica responsável pelos estudos ambientais em relação ao empreendedor.

Em síntese, Senhor Presidente, atualmente, qualquer empreendimento utilizador de recurso ambiental ou potencialmente causador de impacto ambiental sujeita-se a licenciamento ambiental, com a obtenção sucessiva, em tese, de licença prévia (LP), licença de instalação (LI) e licença de operação (LO). Mesmo aquele que não cause impacto ambiental significativo está sujeito a licenciamento ambiental, embora, neste caso, em geral seja dispensada a elaboração de EIA/Rima, que é substituído por outro estudo mais simples ou específico, nos termos da resolução do Conama e da legislação ambiental atual de diversos estados e municípios.

Cumpre lembrar que, nos termos do art. 60 da Lei nº 9.605, de 1998 (Lei de Crimes Ambientais), “construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes” sujeita o infrator a pena de detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. Além desse artigo, a Lei 9.605/98 prevê ainda, nos arts. 66 a 69, alguns crimes contra a administração ambiental e, no art. 70, a infração administrativa ambiental, que também podem ocorrer no âmbito do processo de licenciamento ambiental.

Assim, Sr. Presidente, ao longo dos anos, estados, Distrito Federal e municípios elaboraram leis específicas sobre licenciamento e estudos ambientais, ou abordaram o tema em leis ambientais mais amplas. Em nível federal, contudo, além da já citada Lei 6.938/81, que trata do tema de forma genérica, ainda não há lei específica até hoje. É evidente que a falta de lei federal que estabeleça diretrizes gerais sobre a matéria vem provocando diversos questionamentos quanto à constitucionalidade e à legalidade das normas ora em vigor, em especial as resoluções do Conama, além de conflitos de competência que, muitas vezes, extrapolam o âmbito administrativo e batem às portas da Justiça.

Neste caso, a fixação das atribuições dos entes federativos para o licenciamento e outras questões ambientais está sendo analisada no âmbito das discussões relativas ao Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 12, de 2003, de autoria do Deputado Sarney Filho, e apensos. Tais proposições fixam normas para a cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios no que se refere às competências comuns previstas nos incisos VI e VII do art. 23 da Constituição Federal.

Como tais projetos já foram aprovados, na forma de substitutivos, nas comissões temáticas da Casa, mas ainda necessitam ser apreciados pelo Plenário, e por se tratar de lei complementar, a futura lei ordinária sobre licenciamento ambiental estará intrinsecamente ligada a ela e não poderá a ela se contrapor.

Com relação ao tema específico do licenciamento ambiental, diversas outras proposições tramitam na Câmara dos Deputados. A principal delas é o Projeto de Lei (PL) nº 710, de 1988, do Deputado Fábio Feldmann, que teve substitutivos aprovados nas comissões temáticas e há uma década está pronto para a Ordem do Dia no Plenário.

Todavia, em vista da desatualização dos projetos de lei e seus substitutivos, em 2004 foram apresentados dois novos projetos sobre o tema, o PL nº 3.729, do Deputado Luciano Zica e outros, e o PL nº 3.957, da Deputada Ann Pontes, que foi apensado ao primeiro. Nos anos seguintes, outros quatro projetos foram apensados, encontrando-se todos eles em apreciação no âmbito da CMADS.

É a respeito dessas proposições, portanto, que venho dar o meu testemunho, e dizer da satisfação de ter participado de um rico debate nos últimos seis meses.

Ao assumir a relatoria das proposições sobre licenciamento ambiental no âmbito da CMADS, Senhoras e Senhores, ficamos na expectativa de que antes pudessem ser aprovados, nesta Casa, o PLP 12/03 e seus apensos, que tratam das normas de cooperação entre os entes da Federação em matéria ambiental.

E isso, de fato, quase ocorreu no mês de junho, o que permitiria um conserto legislativo adequado à construção normativa que se pretende em matéria ambiental.

Todavia, verificando que dependência dessa aprovação poderia comprometer o planejamento que idealizamos para elaboração do parecer e do substitutivo aos projetos de licenciamento ambiental, constituí grupo de trabalho destinado a discutir e opinar sobre o substitutivo que me propus apresentar.

Tomando por base a versão proposta pelo Deputado Ricardo Tripoli na sessão legislativa anterior, iniciamos os debates do grupo

de trabalho.

Nas discussões travadas no grupo, contamos com a participação de inúmeras entidades, entre elas: Petrobras, CNI, MMA, Ibama, MME, MAPA, CBIC, ISA, ANAMMA, entidades da ABEMA de diversos estados (Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Pernambuco etc.), além das contribuições individuais de especialistas. Foram realizadas quatro reuniões formais e elaboradas quatro versões do substitutivo, a última das quais apresento em meu parecer no âmbito da CMADS.

Os debates foram extremamente profícuos, vez que os setores interessados no tema – especialmente, ambientalistas e setor produtivo – puderam manifestar suas posições, e sempre que oportuno e conveniente, tiveram suas reivindicações acolhidas. Nos casos em que elas eram antagônicas, imperou a razão, a conciliação e a habilidade – que atribuo a nossa assessoria técnica – na construção do texto.

De plano, foram suprimidas do texto originário as disposições que, de alguma forma, tangenciavam questões relativas às competências administrativas comuns, matéria reservada à lei complementar, tratadas no âmbito do PLP 12/03 e apensos, como já me referi anteriormente.

A versão final do substitutivo traz inúmeros avanços. Avanços que expressam, de uma parte, a sensibilidade conservacionista de entidades ambientais e da sociedade civil, e de outra, as garantias necessárias ao desenvolvimento reivindicadas pelo empresariado.

O substitutivo proposto dispõe não apenas sobre o EIA/Rima, mas sobre o processo mais amplo de licenciamento ambiental de empreendimento utilizador de recurso ambiental ou potencialmente causador de degradação do meio ambiente.

O texto procura incorporar e ratificar aspectos inerentes ao processo de licenciamento ambiental já em uso no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e de alguns municípios,

Nesse sentido, por um lado, agregamos novos mecanismos de controle, que podem levar a efeito instrumentos ainda mais eficazes de prevenção do dano, enxergando além da mera remediação ou caráter corretivo existente na atual legislação. De outro, previu-se que o licenciador deverá estimular o empreendedor na adoção de novas tecnologias, que permitam ir além dos padrões ambientais mínimos estabelecidos, mediante condições mais vantajosas de licenciamento. Entre tais condições, propõem-se prazos ou custos de análise mais reduzidos, prazos de renovação da LO mais dilatados, substituição do EIA/Rima por outro estudo ambiental menos complexo, supressão de etapas de licenciamento e outras medidas cabíveis, a critério do licenciador.

Incorporamos a avaliação ambiental estratégica às políticas, planos e programas, públicos ou privados. Garantimos, também, o amplo acesso e disponibilização de informações do licenciamento ambiental na internet.

Além disso, o Substitutivo delineia os principais itens e procedimentos da elaboração do EIA/Rima; fixa os principais critérios das audiências públicas, ampliando o rol de etapas em que ela poderá ser solicitada; prevê os casos de suspensão, cancelamento ou modificação da licença ambiental emitida, e estabelece regras para o financiamento de empreendimento sujeito à elaboração de EIA/Rima, bem como para concessões, permissões e autorizações de serviços e obras públicas. Por fim, atualiza os valores da Taxa de Licenciamento Ambiental Federal.

Senhor Presidente, à frente desta relatoria afastei-me dos pré-conceitos e das idéias prontas. Optei pela livre manifestação das opiniões; pelo confronto de pensamentos; pela dialética.

Somente ante a inviabilidade técnica ou jurídica e o evidente conflito, fiz escolha por aquilo que me parecia mais compatível com os interesses da sociedade e do País – mas registro, sempre ouvindo os especialistas e observando a realidade.

As contribuições recebidas, os avanços alcançados, o aperfeiçoamento do texto, devo a opção que fiz, talvez a minha maior contribuição e este trabalho.

Sabemos que um Substitutivo, qualquer que seja, não é obra acabada; é obra em contínua elaboração, em contínuo aprimoramento.

Portanto, caberá à CMADS e as demais comissões, em primeiro lugar, e depois a este Plenário, a incumbência de aperfeiçoar ainda mais o texto que ofereço.

Deixo, aqui, o meu agradecimento profundo a todos que se debruçaram sobre o substitutivo e deixaram suas relevantes contribuições. Elas tiveram o condão de patrocinar uma norma legal que não seja encarada como um entrave burocrático e figurativo ao desenvolvimento da Nação, nem como mero mecanismo utilizado para angariar legitimidade social e política.

Ao contrário, almeja-se, isto sim, que a futura lei constitua um instrumento legítimo de planejamento econômico, social e ambiental, permitindo uma avaliação precisa e transparente da distribuição dos ônus e benefícios sociais advindos da implantação do empreendimento, tendo como objetivo final alcançar a equidade social e ambiental.

Era o que eu tinha a dizer!

Deputado André de Paula

Democratas – PE